O Agricultor Urbano e a Mula Sem Cabeça
Naquela manhã de domingo, enquanto caminhava em direção ao seu campo, o Agricultor Urbano foi abordado por um homem que cruzava o seu caminho em sentido contrário.
— Bom dia Agricultor.
— Bom dia senhor.
— Está indo cuidar do seu campo.
— Sim, Hélio já despontou no céu.
— Cuidado Agricultor, ouvi dizer que tem andado por lá a feroz Mula Sem Cabeça que costuma escoicear quem dela se aproxima.
— Ah... O senhor está falando daquela pobre Mula que possui labaredas na cabeça e que assusta a todos aqueles que dela se aproximam?
— Isto mesmo Agricultor, parece que ela anda pastando lá pelos lados do seu campo.
— Isto é a mais pura verdade meu senhor, ela de fato pasta por lá tranquila e absolutamente em paz.
— Mas Agricultor, você não tem medo? Dizem que ela é amaldiçoada.
— Quando eu a vi pela primeira vez naquele estado tão infeliz, simplesmente me aproximei, dizendo que ela era uma belíssima mula; falei também que aquele seu atormentado estado de espírito com a cabeça em chamas era apenas fruto das limitantes crenças de seres ignorantes, seres que tentavam culpá-la por suas próprias e irreveláveis misérias morais — pobre mula.
— A Mula Sem Cabeça acreditou Agricultor?
— Num primeiro momento ficou meio embaraçada, então falei com ela que no passado os humanos, na vã tentativa se libertarem de seus desatinos morais, tocavam num bode e depois o soltavam no deserto a fim de que o injustiçado animal pudesse pagar pelos crimes deles, o famoso bode expiatório — pobre bode —, e que ela também era uma vítima destas infelizes mentes humanas.
— Ah... Uma mula expiatória. O que aconteceu depois disto Agricultor?
— A Mula Sem Cabeça ficou por ali pensativa por algum tempo; disse para ela que o campo onde ela estava era muito grande e que eu e o meu cachorro vira lata ficaríamos muito felizes com a presença dela por ali, que havia capim sempre verde e em abundância ao longo de todo o ano, e que ela podia comê-lo à vontade, minimizando o meu esforço na enxada e fazendo também companhia para o meu cão, que gostou dela desde o primeiro instante.
— E então Agricultor? — Inquiriu incrédulo e mais uma vez o homem que passava em sentido contrário.
— Bem... depois de tanto acolhimento e generosidade, a Mula Sem Cabeça finalmente esfriou a cabeça, as labaredas desapareceram, e agora ela simplesmente pasta em paz pelos campos por onde pisam as minhas botas e corre o meu cão.
— Agricultor, você deve estar de brincadeira comigo.
— Eu jamais brinco com as emoções e pensamentos dos seres que cruzam o meu caminho meu senhor, mesmo que em sentido contrário à minha própria caminhada, meus próprios pensamentos e emoções, cada ser enxerga a Mula Sem Cabeça segundo o seu próprio coração — respondeu o Agricultor seguindo adiante para o seu campo, precedido pelo vira lata que caminhava logo à sua frente.
O sentimento de ambos ao encontrarem a Mula de cabeça fresca no pasto foi tão caloroso a ponto de gerarem enormes labaredas de alegria, não em suas cabeças, ou na cabeça da antiga Mula Sem Cabeça, mas tão somente em seus corações.
É verdade absoluta, cada um enxerga a mula sem cabeça segundo o seu próprio coração ❤
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