O Sonho da Floresta Verdejante

— Sábia Coruja, venho tendo um sonho recorrente; gostaria muito que você pudesse interpretá-lo para mim.

— Qual é o seu sonho Peregrino?

— Sonho, praticamente todas as noites, com uma linda floresta no alto de uma colina, repleta de muitas variedades de árvores e uma infinidade de passarinhos empoleirados nos seus galhos sem fim.

— Qual o seu sentimento ao recordar-se do sonho todas as manhãs?

— Um misto de alegria e tristeza; alegria por aquela floresta tão verdejante e bonita, e tristeza pelo fato de que não passa de um sonho. Eu poderia simplesmente não pensar mais nisto, mas acontece que sonho todas as noites, e consequentemente sinto a mesma estranha angústia e frustração todos os dias, com meu pensamento teimosamente fixo naquele constante sonho noturno.

— Desta forma seu belo sonho noturno acaba transformando-se num constante pesadelo diurno.

— Exatamente isto Sábia Coruja.

— Peregrino, nas proximidades de sua casa existe uma colina?

— Sim, existe; moro numa colina com um enorme pasto nos fundos, o que configura para mim um contrastante pesadelo em relação aos meus belos sonhos.

— Podem ser plantadas árvores neste pasto?

— Sim... boa parte dele é uma área pública simplesmente abandonada pelo poder público, pelo público de um modo geral e pelos privados em particular.

— Você possui botas?

— Como assim botas, Sábia Coruja?

— Botas para andar no pasto, tal como as botas dos vaqueiros ou algo parecido.

— Não, não possuo.

— Você possui ferramentas para lidar com a terra... enxada, cavadeira, pá, enxadão...

— Não, não possuo. Não estou compreendendo qual a correlação de tudo isto com o meu sonho Sábia Coruja.

— Peregrino, nem sua ansiedade e nem toda a ansiedade da humanidade juntas são capazes de acelerar a marcha regulada do sol em direção ao seu ocaso, o astro rei tem o seu próprio tempo. Sugiro que compre as botas e as ferramentas, começando logo em seguida — o ego é um grande procrastinador — a plantar a floresta dos seus sonhos mentais no chão de sua realidade emocional.

— Mas Sábia Coruja, eu nunca plantei uma árvore antes, e para ser absolutamente sincero: O que os outros vão pensar de mim calçando botas, vestindo roupas surradas e com ferramentas rústicas nas mãos.

— Estas expressões mentais não passam das falácias do seu velho ego Peregrino, que de tão vazio interiormente necessita desesperadamente da aprovação constante de terceiros; para realizar seu sonho você terá que enfrentá-lo plantando sua floresta anonimamente, não com o objetivo de agradar aos supostos homens de sua escravidão, mas como uma simples e sincera oferenda ao Deus de sua concepção, de um modo geral os engravatados do mundo não plantam árvores longe dos holofotes. 

— Mas como começar Sábia Coruja?

— Começe pelas sementes das árvores, existem milhões delas espalhadas por todos os cantos e por inúmeros campos, basta aguçar sua atenção em relação a isto; um dia de cada vez, uma semente de cada vez, uma muda de cada vez, uma árvore de cada vez, até que a floresta que já existe no seu pensamento possa finalmente manifestar-se com toda a sua plenitude no pasto próximo à sua casa.

— Sábia Coruja, não seria tudo isto apenas um simples sonho?

— Você pode interpretar desta forma Peregrino, mas seus pensamentos estão fixos nesta ideia, e pensamentos focados em alguma coisa podem de fato criar coisas, o sábios sempre souberam disso, e até a física quântica já provou isto, o seu pensamento em ação é o material de construção de sua própria vida Peregrino. O pasto próximo à sua casa é o resultado da expressão mental de muitos por muito tempo, e agora a força do seu pensamento em ação  pode transformar isto.

O Peregrino agradeceu a Sábia Coruja pela interpretação de seu sonho e partiu, ciente de que em seus pensamentos e suas mãos estava o imenso poder de transforma em realidade o seu recorrente sonho da floresta verdejante no alto da colina.

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