A Professora dos Cafezais

A Professora amava o céu, as flores...
O Sul do Espírito Santo é cortado por uma rodovia, a BR dois meia dois, que liga sua capital Vitória, à capital dos mineiros, Belo Horizonte. Quem segue por esta estrada no sentido capixaba, a certa altura passará por uma região cafeeira, próxima à serra do mar, lá pelas proximidades de Lajinha, Espera Feliz, Iúna e outros municípios mais. Contam os antigos que nesta região, na cidade de Ibatiba, outrora distrito de Iúna, a algum tempo atrás viveu uma professora de nome Egmar, filha de trabalhadores rurais lá das bandas de Alegre, que após concluir o seu curso normal, ainda na flor da idade, foi ministrar suas aulas naquele local ermo e desolado, um fim de mundo, uma terra de plantadores de cafés e pistoleiros, onde posteriormente contraiu matrimônio, fincou suas raízes e constituiu sua família. Contam ainda os mais velhos que, Iúna no passado era considerada umas das cidades mais violentas do Brasil, tendo mesmo ganhado fama nacional em função das atrocidades que ocorriam por lá. Egmar era a mais nova de numerosa família, e como filha caçula, teve mais oportunidades na vida, de forma que conseguiu estudar mais do que os irmãos, coroando seus esforços com um diploma, o primeiro, de muitos que viriam posteriormente para as futuras gerações de sua grande família. Segundo dizem, a professora era meiga, bela e gentil, e naquele sertão do sem fim, naquela terra de supostos brutos e valentes, saía de sua casa todos os dias, enfrentava as dificuldades das estradas, ora empoeiradas, ora enlameadas, a fim de transmitir do seu conhecimento para muitas gerações de alunos que ela ajudou a educar, e muitas vezes a professora deixava o seu ninho, seus filhos e seus afetos, às vezes em dias muito frios, para cumprir sua missão de ensinar. E a professora gostava dos alunos, dos bichos, das plantas,  dos cafezais, da terra onde pisava, gostava do vento, da chuva, do sol, a professora em sua profunda sensibilidade amava o profundo azul dos céus de abril, gostava da vida, gostava de gente, era como uma delicada flor em solo rude, porém com seu jeito, amor e bondade ia vivendo os seus dias, distribuindo para todos aquilo que tinha de melhor em si. E durante muitos anos Egmar ensinou e andou por aquelas terras, e apesar da violência, jamais foi alvejada por uma arma qualquer, era como um ser divino e protegido, quase um cristal,  andando por aqueles locais brutos e aparentemente sem lei. Com o passar do tempo na região tudo evoluiu, a professora foi aperfeiçoando-se e deixando atrás de si seu selo de amor e instrução para uma infinidade de alunos que passaram por aquelas escolas. E depois de toda uma vida de dedicação e trabalho, já com os filhos criados, a professora agora sonhava com os netos que viriam, olhava para trás, para sua trajetória e sentia-se feliz pela missão cumprida, tinha agora mais tempo para si, para suas plantas, amigos, familiares, tudo estava em ordem, tudo estava em paz. E por umas destas ironias do destino, um dia aquela professora que havia andado toda uma vida por aqueles campos sem ter sofrido jamais um único acidente, apesar dos tiros, das feras, dos búfalos, das cobras, dos homens, acabou de forma repentina adoecendo, e apesar de sua força e vitalidade, a doença foi instalando-se, fazendo morada em sua vida, ferindo mesmo seu sensível coração de professora, mãe e mulher. E desde aqueles dias e por muitos outros mais a dor foi entrando em sua vida, e então, pouco a pouco a bela e suave flor, a professora dos passos leves, riso fácil e fala mansa foi lentamento perdendo de sua graça e beleza, a dor foi tomando conta, e a sua graça foi aos poucos desaparecendo. E a doença doía na bela professora, e ela, por amor aos demais, não revelava desta dor para ninguém, queria quem sabe, poupar os demais do seu sofrer, até que um dia doeu tanto e tanto, foi tão profundo o sofrimento, que o cristal enfim se quebrou, e a professora então partiu para longe, partindo corações, partiu para sempre, a fim de ensinar e aprender em outras terras, terras onde os pés humanos não podem ainda pisar, deixando atrás de si um rastro de saudade e pesar. E dizem que no dia de sua partida até o céu chorou, e desde aquela data, um vazio muito grande ficou na alma de todos aqueles que conviveram com ela, mas contam também, que através de uma vida de amor e dedicação ela preencheu o vazio dos outros, contribuindo de forma direta na formação de muitas pessoas de bem que hoje são comerciários, comerciantes, médicos, dentistas, professores, advogados, agricultores... Passados tantos anos, aqueles que eram mais próximos dela, contam com os olhos cheios de lágrimas, que era tão profunda sua beleza, tão leve o seu andar, tão suave o seu jeito de ser, tão puro o seu olhar, tão calmo e sincero o seu coração, que quando ela passava em direção à escola rural, onde doava conhecimento, graça e amor aos seus alunos, os pés de cafés, como em uma reverência divina, abriam-se em infinitas flores brancas, e ofertavam de seu perfume para aquela que era para eles muito mais que uma amada professora, era como uma princesa de rara beleza, era um ser encantado, quase uma fada, como em um conto, um conto de fadas.

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