Um Amor de Passarinho
Bosque por Onde Voa o Passarinho |
Então ele descobriu que dentro dele, do seu próprio peito, ou melhor, dentro do seu coração habitava um passarinho, e ele ficou encantado com a descoberta. O pássaro era alegre, colorido, belo, bonito, simples, sincero, bondoso, feliz, era enfim, o oposto dele, ou daquilo que ele julgava ser.
O encanto do homem pelo passarinho foi grande, a ave possuía ao mesmo tempo força, graciosidade e uma infinita leveza, e o homem, por intuição, descobriu que tendo em si aquele ser, poderia viver de forma muito harmoniosa e feliz consigo mesmo; aquela ave o preenchia, era um grande tesouro, e a convivência mútua trazia para ele sempre muita paz e felicidade.
Aos poucos, porém, ele foi percebendo que aquele pássaro, apesar de muito feliz, possuía um desejo de voar, contudo, por medo de perdê-lo, o mantinha preso dentro de uma gaiola em seu próprio coração, achando, lá com os seus pensamentos, que se o passarinho voasse para longe, ele voltaria a ser novamente aquele homem velho e infeliz, como antes da descoberta; portanto, aquela preciosidade deveria permanecer guardado, protegido e oculto dentro dele.
A cada dia o homem descobria que a pequena ave desenvolvia-se em graça e beleza, um encanto; ele, porém, sentia em si uma certa angústia, quem sabe culpa, pois sabia que o seu pássaro desejava a liberdade, e ele não abria as portas da gaiola, não abria as portas do seu coração, e isto doía nele, pois ele amava muito aquele pequeno bichinho.
Para algumas pessoas no entanto, - poucas pessoas - ele mostrava o passarinho, e logo nestas relações nascia amizade, solidariedade, harmonia, saudade, abraços... Houve um dia em que ele mostrou o pássaro para uma jovem que ouviu do seu canto, e se encantou tanto com ele, bem como pelo seu dono, e a partir de então, dizem, ficaram enamorados e passaram a viver juntos, e contam que, muitos anos depois, ainda estavam próximos um do outro, graças a magia daquele ser alado.
Mas a ave foi crescendo tanto e tanto, que a cada dia ficava mais difícil mantê-la cativa, e quanto mais o pássaro crescia, mais crescia também no homem o sentimento do medo da perda, seu apego era grande, mas ele sentia que aquele pequeno e amável ser não cabia mais na gaiola do seu coração, e mais cedo ou mais tarde ele teria mesmo que libertá-lo de sua diminuta prisão, deixá-la enfim voar.
Quando, nas manhãs de domingo, o homem ia para o campo cuidar da natureza, neste dia ele deixava o pássaro solto pelas redondezas, junto com os seus vira latas, e nestes momentos de liberdade da ave ele plantava inúmeras árvores, com imensa alegria; sentia nestes dias um profundo sentimento de paz e liberdade, sempre rodeado pelo seu amigo alado, e os de quatro patas também. Houve momentos em que aquele homem passou por provas difíceis - a perda de entes queridos, perdas materiais, apertos financeiros, dificuldades cotidianas, frustrações diversas, amores não correspondidos, sonhos irrealizados, desilusões... - e nestes dias, para não cair em desespero, ele dava liberdade ao pássaro, que trazia um infinito conforto ao seu coração, enchendo sua vida de luz e esperança.
O pássaro cresceu tanto e tanto dentro dele, que o inevitável aconteceu; aquela ave não mais cabia dentro de si, a gaiola interior não mais o comportava, estava finalmente na hora de dar a ela a liberdade de voar e seguir o seu próprio destino. Então, em uma manhã, o homem subiu uma colina próxima à sua casa, com objetivo de tirar o passarinho do seu cativeiro de forma definitiva; o pássaro agora seria plenamente livre, poderia voar em paz, e ele faria um esforço sincero para não mais ter medo e cair nas armadilhas da angústia, do medo, do negativismo e inúmeros outros sentimentos que o levavam a estados depressivos, sem a companhia daquela ave que ele tanto amava.
No alto da colina, naquela manhã de céu intensamente azul, um azul outonal, o homem tomou coragem, quebrou as amarras de seu coração, e com os olhos cheios de lagrimas abriu as portas de sua gaiola interior, a fim de que aquele passarinho amigo finalmente pudesse voar com plena liberdade. Então o pássaro lentamente deixou o seu cativeiro, bateu asas e voou alto, muito alto, e conforme voava, o homem também sentia em si as asas da liberdade, não sentia mais medo ou solidão, foi percebendo que a libertação do pássaro era também a sua própria liberdade, foi descobrindo que seus medos interiores nada mais eram que o fruto do seu apego, e que a aquele passarinho, agora solto e voando para longas distâncias, estaria para todo o sempre, de forma livre, dentro do seu coração, não o abandonando jamais, e de agora em diante seu canto e seu encanto poderiam ser compartilhados com todos os seres que o cercavam.
Naquele inesquecível dia, o homem, ébrio de alegria, finalmente descobriu que o passarinho, mesmo livre voltava sempre, pois fazia ninho e morada em seu coração, fazia mesmo parte de sua própria natureza, e percebeu pela primeira vez em sua vida que, o seu pequenino amigo alado era mesmo um amor, um amor de passarinho.
Que maravilhosa definição do nosso conteúdo precioso e que egoisticamente queremos manter oculto dos nossos semelhantes, quando que na verdade quanto mais o deixamos livre para manifestar seu canto, mais ele se desenvolve em beleza e leveza nos fazendo livres e felizes. Angelo
ResponderExcluirBoa tarde meu amigo. Um dia eu senti mesmo este passarinho dentro de mim, e me cabe agora deixá-lo voar em toda a sua plenitude. Forte abraço!
ResponderExcluirUm homem tão grande, calado, trabalhador e solitário!
ResponderExcluirMas dentro dele tinha um lindo, colorido e leve passarinho! Um ser que encantava a todos, inclusive o homem solitário. Que com o novo amigo, deixara um pouco a solidão e a dor. Havia cumplicidade, alegria e encantamento! Porém o pequeno ser, crescia e o homem começou a temer sua perda futura. Isto nublava até o dia presente... Até que por amor, deixou voar ... e no despredimento, aprendeu que o amor não precisa prender. Encanta!