Rua Ibituruna, um Rio em Minha Vida
Rua Ibituruna, Maracanã, Rio de Janeiro |
Vejo ao longe a serra do mar e o dedo de Deus, vejo bem pertinho de mim inúmeros e belos oitis, a brisa da tarde me visita agora, o apartamento é grande, arejado, com muita luz natural, um local agradável para se morar. Invariavelmente em todas as manhãs, as maracanãs lá pelas seis, seis e dez passam por aqui, pousam em alguns pinheiros próximos e fazem uma bela algazarra, um espetáculo de som, coreografia e beleza.
O apartamento fica perto do metrô, do trem, da praça, fica perto de tudo, nas ruas adjacentes passam ônibus para a zona norte, zona sul, centro, são tantos os ônibus que passam, deve mesmo passar ônibus até para o céu, bem como para qualquer ponto onde se queira ir. Olho agora para a janela, se não fosse por um ou dois prédios, poderia avistar o morro do Corcovado e o Cristo Redentor, contudo, vejo o horizonte, vejo outros morros, inclusive o da Mangueira, vejo também algumas árvores lá na Quinta da Boa Vista, vejo carros e pessoas passando pela rua, crianças brincando nos terraços, o entardecer, uma bandeira do américa tremulando solitariamente em um mastro, um pombo sobre a antena, vejo tanto, vejo tudo... A noite vai aos poucos caindo, preciso começar a organizar a mudança, não gostaria de sair daqui, mas preciso, e muitas vezes é muito difícil mudar.
Olhando para a janela ao lado, durante muitas noites escrevi inúmeros textos, e provavelmente este é o último com a cumplicidade da paisagem que me observa e absorve. Depois de tantos anos nesta rua, neste bairro, só agora, a poucos dias da partida, descubro que gosto tanto daqui, é como se fosse uma extensão de minha própria natureza, um amigo a quem terei brevemente que dizer adeus. Está ventando lá fora, as palmeiras arecas na frente do prédio dançam ao sabor da brisa, na escola ao lado tremulam a bandeira do Brasil e a do Estado do Rio, ao longe, à direita, avisto o campanário de uma igreja e o morro do Estácio.
A tarde pouco a pouco vai cedendo lugar ao anoitecer, aqui e ali algumas luzes acessas, preciso parar de escrever e começar a organizar as caixas, mas não consigo, meu coração está preso, a dúvida agora me visita, no momento sou um homem errante, que terei necessariamente que mudar, porém, ainda não sei para onde. Preciso então, aqui e agora, confiar na vida, confiar nas forças que me trouxeram para este lugar e me convidam agora a partir, confiando no que virá, afinal de contas, apesar de um profundo e doentio desejo, não sou mesmo eu quem controla e tece os fios da vida. A noite enfim chegou, hora então de empacotar as coisas e as emoções e começar a navegar, levantando as velas e zarpando da rua Ibituruna, que em um dia de tempestade em um mês de abril foi, literalmente, um rio que passou em minha vida.
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