O Agricultor e o Medo
O agricultor urbano, em uma manhã de domingo andava pelo mato com seus cachorros vira latas, os brancos Tição e Míuda, e os amarelos, Billy e Nina. O dia estava muito bonito e ele ia meio pensativo por entre as árvores, procurando uma semente aqui, admirando uma árvore ali, tudo estava muito calmo. De repente, ele ouviu um latido forte, olhou para o lado para ver qual dos seus cachorros estavam latindo, porém, o cão que ele viu não era branco, não era amarelo, não era a Nina, nem o Billy, nem tão pouco a Miúda ou o Tição, o animal era enorme e era preto, negro como a mais escura das noites. A princípio ele levou um susto, mas como percebeu que o bicho não avançou para ele com o intuito de mordê-lo, dirigiu para a criatura a seguinte pergunta: - Quem és tu? - e o animal respondeu para ele....
- Sou o seu medo, uma fera feroz , muito feroz, e caso você não me enfrente, roubarei toda a alegria da sua vida, caso não seja domesticado, transformar-me ei no mais poderoso dos parasitas e você, em minha permanente companhia viverá uma vida opaca, sem luz, sem brilho, sem cor, sem gosto, sem prazer, na minha presença você conhecerá o maior de todos os vazios, o vazio da existência. Vou miná-lo pouco a pouco, você será meu companheiro fiel, e ao meu lado, terá medo de morrer, e sobretudo, medo de viver, comigo você terá um profundo pesar pela escuridão, mas terá um enorme medo de buscar a luz, na minha presença, você sempre terá medo de sentir, medo de existir, sentirá um profundo pesar pela solidão, mas terá medo de buscar as pessoas, sendo tão meu companheiro, você terá um eterno medo de usufruir o que é belo, e perderá toda a confiança na vida e sobretudo em você mesmo. Assim como os seus adoráveis vira latas que recebem ração diariamente, também preciso ser alimentado, e minha nutrição é fornecida por você, através de seus pensamentos negativos, pessimismo e inconformismo diante da vida. Digamos, caro amigo, que eu seja o seu quinto vira lata. Caso você resolva descartar a minha presença, é fundamental não mais alimentar-me, é imperativo não mais fugir de mim, será fundamental desenvolver em você a coragem para enfrentar-me, e aí então eu irei embora, e você conseguirá viver uma vida serena, leve e feliz, pois a vida sem a minha presença é algo verdadeiramente mágico e extraordinário.
O agricultor ficou mesmo pensativo com a fala daquele animal, ia fazer outra pergunta, mas o bicho já não estava mais lá, no seu lugar, deitada sobre a relva apenas Miúda a cadelinha branca. Teria aquilo sido um sonho, ou quem sabe uma visão ou ainda uma ilusão? O agricultor não tinha a resposta, mas nasceu dentro dele uma certeza: Daquele dia em diante procuraria alimentar sempre e somente os seus 4 vira latas, o outro, o quinto, precisava ser solto e partir em paz. Nina a amarela, aproximou-se pedindo carinho, o agricultor afagou o animal e seguiu o seu caminho, que belo domingo aquele.
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