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O Marido, a Mulher, as Velhas Botas e o Sapo

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Era uma vez um marido que diariamente calçava suas velhas botas para trabalhar no seu roçado; grande era a preocupação de sua mulher, no lugar onde viviam não era incomum o aparecimento de escorpiões, e ela temia que um deles pudesse picá-lo, podendo levá-lo à nefasta condição de bater as botas prematuramente. — Marido, verificou as velhas botas antes de calçá-las? Lá no bairro onde cresci, um vizinho foi picado por um escorpião após calçar os seus sapatos. — Sim mulher, acabei de verificá-las, estão todas limpas — respondia o marido sempre bem humorado após bater as velhas botas no muro do quintal. Como o marido ia para o quintal praticamente todos os dias, todos os dias batia as velhas botas após ouvir a costumeira advertência da mulher. — Marido, verificou as velhas botas antes de calçá-las? Isto acontecia de forma tão sistemática, que mesmo quando a mulher não estava em casa, no momento de seguir para o campo o marido ouvia mentalmente a indagação "marido, verificou as velhas...

O Agricultor Urbano e a Mula Sem Cabeça

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Naquela manhã de domingo, enquanto caminhava em direção ao seu campo, o Agricultor Urbano foi abordado por um homem que cruzava o seu caminho em sentido contrário. — Bom dia Agricultor. — Bom dia senhor. — Está indo cuidar do seu campo. — Sim, Hélio já despontou no céu. — Cuidado Agricultor, ouvi dizer que tem andado por lá a feroz Mula Sem Cabeça que costuma escoicear quem dela se aproxima. — Ah... O senhor está falando daquela pobre Mula que possui labaredas na cabeça e que assusta a todos aqueles que dela se aproximam? — Isto mesmo Agricultor, parece que ela anda pastando lá pelos lados do seu campo. — Isto é a mais pura verdade meu senhor, ela de fato pasta por lá tranquila e absolutamente em paz. — Mas Agricultor, você não tem medo? Dizem que ela é amaldiçoada. — Quando eu a vi pela primeira vez naquele estado tão infeliz, simplesmente me aproximei, dizendo que ela era uma belíssima mula; falei também que aquele seu atormentado estado de espírito com a cabeça em chamas era apenas ...

O Sonho da Floresta Verdejante

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— Sábia Coruja, venho tendo um sonho recorrente; gostaria muito que você pudesse interpretá-lo para mim. — Qual é o seu sonho Peregrino? — Sonho, praticamente todas as noites, com uma linda floresta no alto de uma colina, repleta de muitas variedades de árvores e uma infinidade de passarinhos empoleirados nos seus galhos sem fim. — Qual o seu sentimento ao recordar-se do sonho todas as manhãs? — Um misto de alegria e tristeza; alegria por aquela floresta tão verdejante e bonita, e tristeza pelo fato de que não passa de um sonho. Eu poderia simplesmente não pensar mais nisto, mas acontece que sonho todas as noites, e consequentemente sinto a mesma estranha angústia e frustração todos os dias, com meu pensamento teimosamente fixo naquele constante sonho noturno. — Desta forma seu belo sonho noturno acaba transformando-se num constante pesadelo diurno. — Exatamente isto Sábia Coruja. — Peregrino, nas proximidades de sua casa existe uma colina? — Sim, existe; moro numa colina com um enorme...

As Duas Mensagens de Alegria

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A primeira mensagem de alegria eu recebi alguns dias antes do Natal; estava solitariamente no alto de um morro plantando árvores, quando em minhas dependências emocionais fui visitado por um amado mecânico da Rua 7 de Setembro da cidade de Alegre, meu amado e inesquecível tio e padrinho, com um bombom em suas mãos, um daqueles deliciosos bombons da Garoto embalado em um lindo papel amarelo — eu conhecia muito bem aqueles bombons. O mecânico estava feliz e sorria abertamente, e ao afastar-se e sem uma única palavra sequer, deixou em mim um pouco de sua alegria interna. Fiquei muito feliz com aquele incidente e pensei lá com os meus botões: "Preciso de alguma forma retribuir esta presença e este antecipado presente de Natal". Passou o Natal e o ano novo começou a avançar, e eu simplesmente esqueci completamente do incidente da feliz visita do meu padrinho; chegou então a segunda mensagem de alegria, ocorreu quando dirigia o carro num sábado chuvoso de janeiro, um dia depois do ...

O Invisível Social Num dia de Natal

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Meus pais compraram uma casa em um novo loteamento há alguns anos atrás; o local ficava no alto de uma grande colina completamente cercada por pastos degradados, de onde era possível avistar muitos lugares distantes na linha do horizonte. Costumava visitá-los de forma costumeira, e me recordo agora que sempre avistava naqueles pastos um homem solitário com um bastão de ferro nas mãos. Ele andava por aquele campo com aquele bastão, parava em determinado ponto, batia o bastão no chão, agachava-se, enfiava a mão em seu bolso, tirava algo de lá para em seguida depositar sobre a terra, levantando-se em seguida para revolver a terra sob os seus pés com suas botas. Aquele processo era repetido por algumas horas ao longo das manhãs. Sempre tive a curiosidade de parar um dia e perguntar para ele o que ele fazia ali, mas nunca fiz isto de fato. Num dia de Natal passei por lá e observei aquele homem na sua costumeira rotina com o bastão. Até no Natal meu Deus do céu, pensei eu, o que afinal d...

As Mãos que Fecundam o Solo

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O auditório estava lotado e muitos discursaram, afinal de contas não era sempre que alguém reflorestava solitariamente uma praça inteira, trazendo de volta as árvores, os pássaros, os insetos, as crianças, os atletas, os botânicos, os biólogos, os casais de namorados... Naquele dia o Agricultor Urbano deixou de ser invisível,  era ele o convidado de honra, e muito foi falado sobre o seu grandioso e anônimo trabalho de reflorestamento das praças públicas municipais. Discursou o prefeito, falou o secretário de meio ambiente, falou o presidente da associação de moradores do bairro, falaram alguns vereadores, falaram autoridades civis, militares e eclesiásticas... Depois de muito falatório, finalmente passaram a palavra para o Agricultor Urbano  —  um homem de poucas palavras; sem muitos comentários agradeceu a todos pela homenagem, dizendo que praças degradadas como aquela existiam às dezenas cidade afora, e que o trabalho de replantio de árvores nestes locais era uma inici...

A Sábia Coruja, o Peregrino, o Céu e o Inferno

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Contam que na cidade de Delfim Moreira, no alto da Serra da Mantiqueira, existia um Peregrino que anualmente ia a Aparecida do Norte, e que tinha o sincero desejo de descobrir qual era a real diferença entre o céu e o inferno. Depois de muito peregrinar e procurar pela resposta, ouviu de um simples lavrador que na floresta havia uma Sábia Coruja que certamente saberia responder ao seu questionamento. O homem adentrou a floresta repleta de araucárias à procura da Sábia Coruja, até finalmente localizá-la num final de tarde pousada num dos galhos de um majestoso ipê amarelo da serra.  — Bom dia Sábia Coruja, prazer em conhecê-la.  — O prazer é todo meu, que bons ventos o trazem até aqui. — S ou um Peregrino que busco incessantemente descobrir a qual diferença entre o céu e o inferno. — O inferno é um grande campo com solo degradado e nenhuma vegetação; chega neste local um dia um certo homem de braços cruzados e passa a viver ali, mas as condições de vida são degradantes, n...