Postagens

O Agricultor e a Serra Desaparecida

Imagem
O incidente ocorreu em um dia frio do mês de agosto; o Agricultor estava podando os galhos laterais de um imenso pé de jamelão — a poda facilitaria a entrada da luz solar e a biomassa seria utilizada como adubo. Terminada a poda lá no alto da árvore, sua serra manual caiu; o Agricultor não ficou preocupado, recolheria os galhos no chão e em seguida pegaria a serra de volta. Já no chão, foi pegando galho após galho até finalmente o último, e nada da serra; "que coisa mais estranha, minha serra deveria esta aqui sob a copa da árvore, mas não está", refletiu o Agricultor após fazer uma meticulosa varredura em todo a área do pé de jamelão, e nada da serra. Verificou então nos galhos podados, a serra poderia ter ficada presa em algum deles, olhou um por um, e nada da serra. A hora avançava e a serra não aparecia, ele precisava ir embora do campo, na vida urbana haviam outros afazeres aguardando por ele, mas como partir abandonando sua ferramenta no campo? Retomou a procura, olhou...

O Agricultor e a Bougainvillea Atropelada

Imagem
Era primavera; como o Agricultor não cultivava trigo, numa certa tarde foi até a padaria para comprar pão. No seu caminho encontrou caído na rua um pequeno galho de Bougainvillea com algumas escoriações — a planta havia sido atropelada por uma, duas ou mais vezes. A cena daquele galho de planta estendido, esquecido e ferido no asfalto tocou o coração do Agricultor, que o pegou, percebendo que ele ainda tinha seiva e vida. — Bougainvillea, Bougainvillea, você consegue ouvir-me? Não obteve nenhuma resposta, os ferimentos eram graves. Resolveu levar a planta ferida para sua casa e cuidar dela. O ramo atropelado foi colocado num saquinho com terra bem fértil e regado diariamente por algum tempo, e três meses depois estava cheio de brotos e pronto para ir para o campo, onde foi plantado em um local bastante ensolarado — as bougainvilleas amam o sol. Dois invernos depois, numa manhã de sábado fria e ensolarada de sábado, enquanto cuidava de seus canteiros o Agricultor ouviu alguém chamá-lo....

O Rebanho do Agricultor

Imagem
Como de costume, o Agricultor acordou cedo e cedo foi cuidar do seu campo; a caminho, encontrou um destes transeuntes tão frequentemente presentes nas crônicas, que o saudou: — Bom dia Agricultor; pelo visto já está a caminho do seu campo e de suas árvores. — Bom dia Senhor; hoje vou roçar o capim a fim de alimentar o meu imenso rebanho. O transeunte achou aquilo estranho, até onde ele sabia, o Agricultor sempre plantava árvores em áreas públicas, estaria ele agora grilando terras municipais para criar bois? — pensou ele afastando-se e publicando ainda em movimento aquele escândalo sem precedentes em suas redes sociais. Rapidamente a notícia espalhou-se como rastilho de pólvora, trazendo em seu bojo controvérsias sem fim; o incidente ocorreu em um período pré-eleitoral, levando um candidato a vereador do partido dos defensores da natureza — ele não estava bem nas pesquisas —, a realizar uma verdadeira cruzada contra o Agricultor em suas redes sociais: Fora Agricultor; fora grileiro de ...

O Agricultor, a Angústia e o Estrume do Gado

Imagem
  Cinco horas da manha de domingo, o Agricultor acorda; o som da música ao longe chega aos seus ouvidos, era o final do baile de sábado, e com a música chega também a sua angústia batendo forte em seu coração, "o que fazer?", pensava ele enquanto tentava conciliar os seus pensamentos em desalinho. Não demorou muito e surgiu em sua tela mental o seu Velho Conhecido. — Bom dia Agricultor, muita angústia hoje pelo que estou percebendo. — Bom dia Velho Conhecido; isto é um fato! — Talvez posso ajudá-lo a resolver isto, que tal umas voltas por aí e umas boas compras? — Já tentei e não resolveu. — Então um filme, ou um jogo de futebol pela TV, ou ainda um daqueles mágicos jogos de basquete da NBA que você tanto gosta, experimente... creio que depois disto o problema esteja resolvido. — Não estará não Velho Conhecido, isto tudo me entorpecerá por algum tempo, mas depois a velha angústia voltará para o seu plantão mais angustiada do que antes. — Não se desespere Agricultor... experim...

A Criança, a Angústia e o Canto dos Pássaros

Imagem
  Acordava e não ouvia nada, como num deserto; instantes depois chegava a visita indesejada. Todos os dias bem cedinho a angústia me visita; ela sempre vem mergulhada no silêncio da manhã, invariavelmente acompanhada por um cachorrinho vira-lata. No princípio brigava com ela e pedia para que se retirasse, não gostava nem um pouco da sua presença, mas agora não brigo mais, pois agora finalmente compreendo a sua dor. Quando olho para os olhos dela vejo a cena, como num filme, e sinto sua profunda tristeza quando a carreta vermelha desaparece na curva no final da rua, deixando em seu coração apenas um rastro de profunda saudade; é neste momento que ela com os olhos cheios de lágrimas  — minha angústia chora  —  mais afaga o seu cachorrinho, transformando-se simplesmente numa criança que eu carinhosamente acolho, pegando em suas mãos e indo com ela em direção aos fundos da casa. "Venha comigo criança, venha comigo... você chega sempre muito silenciosamente pelas manhãs, ...

O Agricultor e as Bolotas Solares

Imagem
Era abril, princípio de outono; o Agricultor Urbano levantou cedo e foi para o campo. No caminho foi abordado por seu velho conhecido, o Fulano. — Bom dia Agricultor. — Bom dia Fulano. — Onde vai tão cedo? — Vou para o campo colher a luz do sol. Fulano não falou nada e seguiu adiante; "onde já se viu colher luz do sol, onde já se viu?" pensou solitariamente seguindo seu rumo.  Ao longo daquele dia o Agricultor carpiu o capim que crescia paralelamente à cerca, juntando posteriormente tudo em pequenos montes.  No dia seguinte novamente Fulano encontrou o Agricultor na sua lida no campo. — Como vai Agricultor? — Vou bem, obrigado. — O que faz ai tão cedo e com tanto entusiasmo? — Estou amontoando a luz do sol que colhi ontem. Como no dia anterior, Fulano nada comentou e seguiu adiante pensando "ele não deve estar muito bem das faculdades mentais, ao longo de minha vida nunca vi ninguém amontoar a luz do sol".  Depois do capim carpido e amontoado e o sol já se pondo n...

O Agricultor, Seu Velho Ego e a Mariola

Imagem
Ainda não eram cinco horas da manhã, estava escuro ainda, contudo o Agricultor já estava de pé. Tomou o seu café, encheu sua garrafa com água da fonte, pegou um tablete de mariola (*)  e caminhou em direção ao seu campo; o período seco estava chegando e era necessário fazer um aceiro ao longo de toda a cerca, a fim de evitar as desastrosas queimadas de inverno na plantação — alguns inconsequentes incendiários faziam das maravilhas que brotam do chão um verdadeiro cemitério de carvão. O campo ficava do lado leste de sua casa, para onde caminhou com suas velhas botas; chegou lá junto com os primeiros raios do sol da manhã que surgiam na linha do horizonte, vindos de um distante leste onde seus pés jamais pisariam um dia. Pouco tempo depois seu corpo e sua alma já estavam aquecidos com o movimento constante e vigoroso da enxada sobre o africano capim braquiária. Três horas mais tarde, já bastante suado e cansado pelo esforço contínuo, resolveu fazer uma pausa para beber um pouco d'águ...